
Minutos depois de Robert Mckee mandar alguém calar a boca no seu conhecido tom autoritário, o guru de Hollywood estava prestes a chorar na frente dos 200 alunos da edição londrina do seminário Story.
Ao descrever detalhes de uma cena do filme “The reader”, sua respiração ficou áspera, suas mãos se agarraram em posição de prece, e seus olhos se encheram de lágrimas. Um silêncio absoluto sem impôs na sala. Canetas que anotavam apressadas as ideias de Mckee foram lentamente colocadas sobre as mesas.
Quatrocentos pares de olhos aguardavam tensos para saber se as próximas palavras do palestrante seriam sobre cinema ou sobre suas emoções afloradas pela cena do filme.
Quinze longos segundos se passaram, até que finalmente Mckee retomou o raciocínio sobre o conteúdo da palestra.
Foi a única vez que isso aconteceu durante os quatro dias intensos do seminário Story, onde Mckee basicamente atua as 422 páginas do seu livro de mesmo nome. O famoso mestre da arte de contar histórias se propõe a ensinar aspirantes a roteiristas e escritores a pensar além de fórmulas e técnicas.
Ele inicia o seminário confrontando a ideia de que talento e sensibilidade são as únicas qualidades necessárias para se escrever histórias que envolvam as emoções da audiência. Segundo Mckee, é importante se compreender os princípios básicos e a estrutura clássica das narrativas de ficção para que possamos desenvolver histórias coerentes e verdadeiras, que recompensem o tempo e a atenção das pessoas.
O conteúdo do seminário é praticamente idêntico ao do livro. Em certos momentos, ele chega ao ponto de recitar parágrafos da obra palavra por palavra. Decepcionante para quem foi ao seminário em busca de conteúdo original. Mas Mckee encontrou uma forma de fazer esta repetição de conteúdo ser complementar à leitura do livro. O tom messiânico usado para apresentar certos conceitos parece solidificar as ideias apresentadas na obra. Enquanto nossos escutamos as teorias de McKee, nossa mente procura entender como elas podem ajudar a resolver os problemas das histórias em que estamos trabalhando.
Durante a maior parte do seminário Mckee é simpático, charmoso e bem humorado. Mas não se atreva a abrir a boca sem ser convidado. Interrupções não são toleradas. Comentários pontuais sobre o conteúdo não são tolerados. Perguntas fora de hora não são toleradas.
Mckee está no controle e quem tenta roubar a cena é repreendido veementemente.
Muitas pessoas com quem conversei nos intervalos tiveram essa mesma impressão sobre ele. Até que, no terceiro dia, quando todos já haviam se convencido da dureza do palestrante, seu autocontrole escorregou em um detalhe poético de uma obra de ficção.
Aqueles 15 segundos renderam horas de discussão fervorosas com meus colegas de curso. Mckee tinha realmente se emocionado ao ponto de não conseguir controlar suas reação ou ele intencionalmente permitiu que o quase choro acontecesse com o objetivo de complexificar seu personagem, dando uma dimensão mais humana ao palestrante controlador e autoritário?
Isso me fez pensar como Story parece ter sido estruturado como uma peça de teatro.
No primeiro ato, somos confrontados com nossa visão limitada sobre a arte de contar histórias. Queremos criar mundos ficcionais atraentes, mas não sabemos que caminho trilhar para alcançar esse objetivo. Somos então convidados a nos aventurar nas profundezas da experiência humana, onde se escondem as maiores fontes de inspiração para se escrever narrativas envolventes.
No segundo ato, desenvolvemos nossa habilidade e senso crítico sobre como escrever boas histórias. Ao estudarmos formas de criar personagens vívidos e de explorar seus conflitos de forma dramática, somos desafiados a investigar a alma humana em toda as suas contradições e complexidade.
No terceiro ato, finalmente alcançamos nosso objetivo quando aprendemos como cada peça do quebra-cabeça de uma história funciona. Fica claro que cada um de nós, alunos, é um protagonista nesta história, e que Mckee é um personagem que atua como nosso mentor nesta jornada de descoberta teórica e pessoal.
Nesse contexto, acredito que Mckee intencionalmente permitiu-se perder o controle no momento do quase choro. Mas isto não significa que as emoções demonstradas por ele não foram verdadeiras. Como todo ator que domina seu ofício, ele aprendeu a deixar sua vulnerabilidade aflorar no momento certo para se conectar com as emoções da audiência. Funcionou.
Sai de lá inspirado e convencido de que Mckee não é apenas um palestrante, mas um personagem indispensável na história de todo aspirante a storyteller.
Você já foi ao seminário Story? O que você achou?
8 Comments
-
Bem, Robert McKee é foda, algo impossível de contrariar.
Também achava que ele, em seus seminários, acrescentava algumas coisas fora as de seu livro, mas vendo que ele só reconta tudo por lá me sinto até melhor, pois deste modo sei que não perderei nada quando ler Story. O único problema é o preço – A versão traduzida custa R$65,00 e o importado ultrapassa os R$ 100,00. Mas concerteza vou dar um jeito de lê-lo, ainda mais pela fama de “Bíblia dos roteiristas”.
Bem, vou passar, só de complementar, os dez mandamentos de McKee. São até interessantes, diga-se de passagem:
1. Respeitarás tua audiência
– Jamais subestime a inteligência de seus espectadores. Supere suas expectativas e apresente algo a mais2. Pesquisarás
– Estude o tema a ser abordado para tornar o filme atraente para leigos e especialistas3. Dramatizarás tua apresentação
– Torne atraente, dinâmica e bem amarrada a história que pretende contar4. Criarás camadas de significados sob teu texto
– A superficialidade não é perdoada nem nos comerciais de margarina5. Criarás personagens complexos, não histórias complicadas
– Ninguém entende histórias difíceis, ninguém se identifica com personagens simplórios6. Não usarás falso mistério nem surpresas baratas
– Truques como acordar de um sonho para resolver o problema do filme estão fora de cogitação7. Não usarás deus ex machina para teus encerramentos
– Se a solução vem de alguém que não estava na história, o espectador se sente ludibriado8. Não facilitarás a vida de teu protagonista
– Se não houver transformação, não há por que contar a história9. Levarás tua história às profundezas e extensões da experiência humana
– Apresente ao público o que ele espera – e ainda assim o surpreenda10. Não dormirás com ninguém que tenha mais problemas que ti
– Licença poética. McKee quer dizer: você é que tem de ter as tramasBoa postagem, Diego.
Até a próxima
Gean Riwster
-
Oi Gean
O seminário Story não traz conteúdo novo, mas vale muito a pena. É uma experiência completamente diferente de ler o livro.
Obrigado por compartilhar os mandamentos do Mckee. Todos tópicos importantes de considerarmos ao escrever uma história.
sds
Diego -
Diego,
como todo brasileiro — ou jornalista? — você assistiu STORY mais preocupado em pegar uma “escorregada” de McKee do que assimilar o conteúdo (valiosíssimo). Tendo participado de 4 STORY, inclusive este de Londres que você assisitiu, te garanto que a emoção não é e não foi teatro. Ou seria muita ironia para um Professor que prega “escreva a verdade” , nao?
J -
Oi Jacqueline
Assisti Story com a mente e o coração abertos e, assim como você, fiquei encantado com o conteúdo. Não sou jornalista, e não participei do seminário com a intenção de escrever um texto sobre minha experiência. Fui para aprender a contar histórias mais envolventes.
Como comentei no texto, teatro ou não teatro, Mckee é indiscutivelmente uma autoridade em Storytelling, um mestre na arte de manter a atenção dos alunos, e uma das maiores fontes de inspiração para se “escrever a verdade”.
Fiquei curioso: dos quatro seminários de que você participou, aconteceu algo semelhante ao que aconteceu em Londres?
Obrigado pelo comentário.
sds
Diego -
Estou ainda entorpecida pelas palavras desse grande contador de histórias. Faz uma semana, mas ainda sinto suas palavras em meus sentido. O que posso dizer de minha experiência? Que hoje como produtora, e não roterista, bom deixar claro, compreendo melhor um bom roteiro.
-
O Mckee realmente é fantástico, Elisângela. Ele sabe como inspirar roteiristas e todo mundo que, de alguma forma, trabalha com filme. O seminário vale muito a pena. Obrigado por compartilhar sua experiência.
-
Diego, você mandou muito bem nessa. Fiz o curso Story em SP com o Mckee e você conseguiu traduzir a impressão que tive.
Sucesso -
Diego,
Sim, é uma peça de teatro. Ele a tem em cartaz há 40 anos. Sim, é ensaiadíssimo e tudo é construído para o final do ato 3: ele te quer vulnerável e deflagra um golpe final de mestre.
Isso posto, vamos ao valor da experiência: alto.
McKee oferece o conteúdo do livro de maneira vívida, enfática e através do personagem interessante que construiu para si próprio.Nem tudo que ele propõe é verdade absoluta. Mas certamente vc sai de lá com ótimas dicas na mochila. Mas ele não é o único, nem tampouco o melhor. Save the Cat, Invisible Ink, Vogler, Egri, cada um deles te apresenta ferramentas muito úteis para o dia a dia da escrita.